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FICÇÃO BIOGRÁFICA CONTEMPORÂNEA:UM ESTUDO DE NOVE NOITES, DE BERNARDO CARVALHO

Míriam Juliana Pastori Bosco

amjumj@gmail.com

 

A relação entre ficção e realidade sempre foi e sempre será um problema no campo da investigação literária. A pesquisa aqui proposta aborda esse fenômeno no que ele tem provavelmente de mais intensificador: o biografismo, em que se situa o romance Nove noites (2002), de Bernardo Carvalho, tomado aqui – em termos de hipótese investigatória ampla – como uma construção narrativa peculiar, híbrida, no que diz respeito às configurações formais e temáticas básicas. Consideramos a possibilidade de que essa narrativa represente uma das tendências mais visíveis da literatura brasileira contemporânea, o biografismo ficcional, um possível novo biografismo, fundado num intenso jogo dialético formal (estilo realista/sintaxe narrativa inventiva) e temático (fatos referenciais/fatos ficcionais), um tipo narrativo que não se encaixaria melhor, supomos, em outros subgêneros do romance. Convergem para o objetivo geral deste estudo os seguintes propósitos: avaliar a frequência de obras de caráter biográfico e/ou autobiográfico (biografismo), na literatura brasileira a partir da década de 60 até a atualidade; inquirir sobre fatores que concorrem para a ficcionalização de fatos referenciais, históricos; investigar  a hibridização  das fontes “factuais”, tarefa que exige alguma reflexão sobre aspectos de representação literária ligados à ontologia desses fatos (polemicamente “ficcionais”, no caso) e sobre a questão categorial; e verificar como a estrutura da narrativa, em particular sua sintaxe narrativa, contribui para emprestar-lhe sentido maior de inventividade, de ficcionalidade. A hipótese é de que o hibridismo concilia linguagem realista e estruturação artística, informe histórico (referencial) e invenção (ficção). Para se compreender esse fenômeno categorial novo, busca-se seu roteiro a partir da década de 1960. Colaboram, nesta investigação, alguns críticos, entre eles Sussekind (1986), Linhares (1976) e Silverman (1995). No plano teórico da representação literária, importa, entre outros interesses, refletir sobre realismo e verossimilhança, sobre verdade referencial e verdade ficcional, a fim de se compreender melhor essa nova conjugação de biografismo referencial e ficção. Para essa parte, servem de suporte teórico, entre outras, as reflexões de Eco (1994) e de Lejeune (2008), de Barthes (1972) e de Todorov (2003). A análise da sintaxe narrativa de Nove noites serve para reforçar o funcionamento do inventivo no quadro dos informes referenciais, o que viabiliza, junto com outros fatores, a rotulação “romance”. Nesse plano argumentativo, valem as formulações de, entre outros, Barthes (1973) e Ball (2009), sobre “níveis” narrativos e variação de narradores, e sobre “foco” e “visão”, estruturas narrativas necessárias ao melhor entendimento do esforço estético presente na mobilidade de focalização e de narração. A hipótese geral, portanto, é de que o hibridismo novo de Nove noites, neste plano do biografismo ficcional, e portanto categorial, se constrói pelo entrecruzamento de fatores temáticos e formais, e com algo de narrativa de mistério policialesco.

Palavras-chave: Biografismo literário; Nove noites; Narrativa híbrida.