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RESUMO |
A (IN)COERÊNCIA NO
DISCURSO FALADO PELO INDIVÍDUO DIAGNOSTICADO COM ESQUIZOFRENIA: UMA ANÁLISE
FUNCIONALISTA Fernanda Trombini
Rahmen Cassim fer_trc_@hotmail.com Esta
tese tem como objetivo geral pesquisar o discurso dos
indivíduos diagnosticados com esquizofrenia sob a ótica da Linguística
Funcional, a fim de verificar se há um padrão de coerência ou incoerência, uma
vez que os manuais médicos utilizam as expressões “perturbações de linguagem” e
“discurso incoerente” para descrever as diferentes manifestações desse
transtorno. A hipótese inicial partiu da ideia de que a linguagem desses
indivíduos está muito mais governada por questões semânticas do que sintáticas
e nossa análise se guiou por diferentes vertentes do Funcionalismo. Para tanto,
objetivamos analisar a parte mais formal desse discurso, descrevendo como o
indivíduo diagnosticado com esquizofrenia fala. Nesse sentido, utilizamos a
Perspectiva Textual-Interativa e os pressupostos da Análise da Conversação. Em
um segundo momento, objetivamos descrever a comunicação e interação desses
pacientes a partir de quatro pilares de análise. Primeiramente, buscamos
compreender como se dão os esquemas de expectativa no “discurso
esquizofrênico”, o que engloba análise de esquemas de conhecimento e de enquadres
comunicacionais. Em segundo lugar, avaliamos a presença das categorias dêiticas
nesses discursos, incluindo tempo, pessoa e lugar. Depois, o foco esteve nos
processos de verbalização da experiência esquizofrênica e, por fim, buscamos
analisar as relações retóricas que emergem das porções textuais por meio da
Teoria da Estrutura Retórica, para verificarmos se há uma coerência adjacente,
linear, entre as partes do texto. Para atingir tais objetivos, este trabalho
utilizou o método da pesquisa qualitativo-interpretativista, buscando produzir
dados a partir da observação dos diálogos coletados. Foram gravadas e transcritas 13 entrevistas com 13 pacientes do Hospital
Psiquiátrico de Maringá-Pr, sendo 6 homens e 7 mulheres. A respeito da fala do
chamado “discurso esquizofrênico”, observamos que as diferentes estratégias de
organização da língua falada estão presentes, mas que a
organização tópica desse discurso apresenta características que fogem ao que se
espera de uma organização tópica ideal, rompendo as regras de centração e
organicidade. Ainda assim, pudemos observar uma forte relação entre os blocos
de subtópicos. A expectativa da pesquisadora e dos pacientes acerca de
determinados tópicos conversacionais, conceitos e termos com frequência foi
quebrada pela diferença de vivências e experiências dos interlocutores. Essas
dissonâncias muitas vezes foram amenizadas por explicações, fugas, paráfrases.
Em relação aos enquadres comunicacionais, vimos que eles ficam difusos em
alguns momentos da conversação, especialmente no que tange ao enquadramento
fantasia x realidade. Apesar disso, dizer que o psicótico toma como verdade
literal suas fantasias, não sendo capaz de realizar processos mentais mais
elevados que constituam enquadres específicos, pode ser extremo, pois foram
identificadas pistas linguísticas dadas por determinados pacientes que
demonstram alguma percepção do enquadramento delírio. Os indivíduos entrevistados também realizaram
alinhamentos de enquadres comunicacionais, demonstrando suas capacidades comunicativas.
O que destoa, nesse caso, é a sinalização, a maneira como os pacientes
gerenciam esses processos. Sobre a análise da dêixis de tempo, lugar e pessoa,
entendemos que em alguns casos os pacientes não estabeleciam uma referência
temporal coerente, mas a ancoragem dêitica de lugar foi apropriada ao que se
espera de um discurso “normal” - com alguns desvios que podem ser explicados
por questões de organização psíquica – e o uso da não pessoa é mentalmente,
contextualmente ou sensorialmente referenciado na maior parte das vezes.
Importante destacar também que não encontramos formas “incoerentes”,
“peculiares” ou “desviantes” no uso de primeira e segunda pessoas. Na
transposição do pensamento em linguagem, vimos que o processo de seleção
ocorre, mas há a falta de uma elaboração linguística que marque a coerência
desse processo. As mudanças abruptas de tópico fizeram com que a orientação
tempo-espaço na fala dos pacientes ficasse confusa. Adicionou-se a isso a falta
de marcadores linguísticos que especificavam tal mudança, dando a impressão de
que faltava a eles a noção de orientação no discurso. Em alguns momentos, a
destoante expectativa a respeito dos esquemas de conhecimento da pesquisadora
gerava discursos que pareciam vazios de orientação. A despeito disso, na
maioria das vezes, os pacientes demonstraram – e marcaram linguisticamente –
suas capacidades de orientação temporal, espacial, social e
epistemológica. Ainda no âmbito da
transposição do pensamento em linguagem, constatamos a importância da coesão
lexical na compreensão do “discurso esquizofrênico”. A análise pela Teoria da
Estrutura Retórica nos permitiu constatar, em níveis microestruturais, a
capacidade de estabelecer relações de coerência entre as porções textuais e, em
níveis macroestruturais, as constantes mudanças de tópico fizeram com que não
pudéssemos identificar relações retóricas específicas na macroestrutura do
texto. No decorrer desta pesquisa, percebemos que é impossível estabelecer um
parâmetro ou uma generalização a respeito da “linguagem esquizofrênica”. Em
contrapartida, as subjetividades e individualidades dos pacientes interferem
diretamente na forma como esses sujeitos constroem seus discursos e, por isso,
eles se formam de maneiras muito diferentes. Por fim, entendemos que nossos
objetivos foram atingidos e que nossa hipótese de que há um padrão de coerência
no discurso esquizofrênico foi confirmada em partes, tendo em vista a
multiplicidade e particularidade de cada discurso. Esperamos, enfim, que os
parâmetros de diagnóstico pautados pela linguagem dos indivíduos acometidos por
transtornos psíquicos possam ser repensados e que novas pesquisas se
desenvolvam e se beneficiem dos resultados obtidos nesta tese. .
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