DEFESAS
RESUMO

 

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ENTRE PAISAGENS PORTUGUESAS, A ALDEIA DE VERGÍLIO FERREIRA

 

Ana Cristina Fernandes Pereira Wolff

anacris.wolff@gmail.com

 

 

A vida mantém estreita relação com os espaços, sejam eles reais ou imaginários. Tais espaços são por nós habitados e vividos, fazem parte da constituição de quem somos e da percepção que temos do mundo; deles a memória não se desvencilha. Pensar as narrativas pressupõe, sempre, pensar um espaço, categoria que se oferece como amplo campo de investigação e possibilita novas abordagens do texto literário. Em alguns autores, o leitor atento observa como o espaço narrativo é fundamental para a construção do texto, a organização do discurso e a emergência da subjetividade. Em Vergílio Ferreira, ficcionista e ensaísta português, o espaço tem papel decisivo na construção romanesca e pode-se dizer que dele partem (e para ele convergem) a memória, os fatos e, sobretudo, as investigações, reflexões e vivências intimistas dos narradores (predominantemente narradores-personagens). Desse modo, o espaço/paisagem ultrapassa os meros referentes externos para conduzir a uma particular forma de percepção do real e da própria existência. Tão intensa é a ligação do “eu” à espacialidade que o próprio discurso se reinventa: ao narrativo mesclam-se tanto características do lírico e do poético quanto elementos pictóricos, num esforço para dizer aquilo que provém das camadas mais íntimas do homem. Notamos, pela obra ficcional e ensaística, algumas paisagens recorrentes em Vergílio Ferreira, entre as quais se destacam as aldeias, que comparecem em vários romances e remetem sempre à mesma aldeia, aquela da infância, que permanece no imaginário do escritor. Trata-se de um espaço de eleição, de encontro consigo mesmo e com o Absoluto; um microcosmo que se expande e, em linhas gerais, refrata os grandes temas e anseios ligados à vida humana. Com base nisso, para nossa pesquisa selecionamos como corpus os romances Cântico final (escrito em 1956 e publicado em 1960), Aparição (1959) e Para sempre (1983), a fim de traçar, inicialmente, uma particular cartografia do espaço português neles presente e avaliar suas repercussões filosófico-existenciais. A partir disso, investigamos como a aldeia é percebida e concebida nos romances vergilianos. Interessou-nos estudar como a configuração da paisagem, em especial da aldeia, remete a uma geopoética marcada pela visualidade, pelo pictórico, pela plasticidade, pelo poético e pelo lírico, numa linguagem que coaduna memória individual e coletiva, simbologias, cultura, construção do dentro e do fora (relação de subjetividade e alteridade). Em síntese, objetivamos investigar a construção da paisagem em Vergílio Ferreira, com ênfase na aldeia, e os recursos poéticos, líricos e pictóricos que colaboram para tanto, a partir da força motriz da memória que permeia (e da qual erigem) as narrativas. Em se tratando de uma pesquisa de caráter também bibliográfico, além da fortuna crítica do autor, como referencial teórico, metodológico e analítico básico adotamos obras que versam sobre o espaço e, especialmente, a paisagem, tanto no campo literário quanto em áreas afins (Michel Collot, Helena Buescu, Simon Schama, Eric Dardel, entre outros), autores que tratam do romance lírico (Ricardo Gullón, Ralph Freedman, Rosa Maria Goulart, Luzia Tofalini) e da imagem (Gaston Bachelard, John Berger, Didi-Huberman). As conclusões apontam para o particular modo como se tece a paisagem vergiliana, em estreita ligação com um modo de ser e sentir quer na vida quer na escrita.

 

Palavras-chave: espaço/paisagem; aldeia; memória; cartografias

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